A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do relator e se manifestou pela aplicação da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) às eleições do próximo dia 3. Após rejeitar a proposta do ministro Cezar Peluso, feita na sessão de ontem (22), para que o STF reconhecesse a inconstitucionalidade formal da lei pelo fato de o texto apreciado pelo Senado não ter retornado à Câmara, a ministra iniciou o seu voto, dividindo-o em três tópicos, de acordo com os argumentos apresentados pela defesa de Joaquim Roriz, rejeitando-os um a um.
A ministra ressaltou que a Lei da Ficha Limpa passou a vigorar em 7 de junho passado, portanto, antes que se iniciasse o prazo para a realização das convenções partidárias que escolhem os candidatos. Para ela, a lei, que veio com 16 anos de atraso, atende a um anseio da população brasileira por moralidade e probidade administrativa na vida pública.
Artigo 16 da CF
A ministra citou precedentes do STF relativos à interpretação do artigo 16 da Constituição Federal – segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral somente pode ser aplicada após um ano de sua entrada em vigor –, para demonstrar que a jurisprudência da Corte é no sentido de as leis que complementam o regime constitucional de inelegibilidades (art. 14, parágrafo 9º) têm vigência imediata e afastam a incidência do artigo 16 da Constituição (anterioridade eleitoral), pois não alteram o processo eleitoral.
Foi assim em 1992, quando, analisando recurso extraordinário (RE 129392) que contestava a aplicabilidade imediata da então nova “Lei das Inelegibilidades” (Lei nº 64/90), o STF decidiu, por maioria de votos, que o artigo 16 da Constituição visa apenas impedir o chamado “casuísmo de véspera”, ou seja, a mudança legislativa destinada a favorecer a própria classe política. Não foi por outro motivo que se exigiu que o assunto fosse tratado por meio de lei complementar e não ordinária, ponderou Cármen Lúcia. A ministra citou ainda precedentes mais recentes, como as ADIs 3345 (que contestou resolução do TSE que fixou critérios de fixação do número de vereadores) e 3741 (que contestou a minirreforma eleitoral – Lei nº 11.300/06).
“O princípio constitucional prevalecente, portanto, é o da proteção ético-jurídica do processo eleitoral, sobrepondo-se o direito da sociedade a uma eleição moralizada, proba, impessoal e legal ao voluntarismo daquele que se pretende por ao crivo do eleitor. O objetivo da norma constitucional, a meu ver, é assegurar a proteção ética do processo eleitoral, garantindo-se à sociedade o direito de votar em que o sistema estabeleça as condições ético-jurídicas de exercer o mandato que lhe venha a ser conferido, tudo nos termos do que a lei estabelecer antes de ser conferida a cada um a condição de candidato”, afirmou Cármen Lúcia.
Artigo 5º
Da mesma forma, a ministra Cármen Lúcia rejeitou o argumento da defesa de Roriz de que a negativa de seu registro para concorrer ao cargo de governador do Distrito Federal teria violado dispositivos constitucionais que preservam o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (inciso XXXVI do art. 5º), ou seja, a sua renúncia ao cargo de senador, e também o princípio da presunção da inocência (inciso LVII do mesmo artigo). Segundo ela, não há direito adquirido à condição de elegibilidade e a declaração de que alguém é inelegível não equivale a uma pena.
Segundo a ministra, o argumento não procede porque, ao incluir a renúncia para evitar a perda do mandato entre as novas hipóteses de inelegibilidades, a Lei da Ficha Limpa não tratou de matéria penal, mas de matéria eleitoral, autoriza o parágrafo 9º do artigo 14. “Além disso, a lei não considerou culpado nem assim presumiu o renunciante, apenas destacou que o eleito que tenha contra si representação e que renuncia não cumpre condição ético-constitucional para, durante o período legalmente fixado [oito anos], oferecer-se mais uma vez ao povo como nome habitado ao cumprimento de novo mandato popular”, afirmou.
Princípio da proporcionalidade
O advogado de Roriz sustentou que, ao aumentar o prazo de inelegibilidade, a Lei da Ficha Limpa teria desobedecido ao princípio da proporcionalidade, o que teria caracterizado abuso no poder de legislar. O argumento foi também rejeitado pela ministra Cármen Lúcia. Para ela, ao editar a Lei Complementar n° 135/2010, pressionado pela enorme mobilização popular, o Congresso Nacional nada mais fez do que concretizar e dar efetividade jurídica ao que contém o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição, que protege a probidade e a moralidade administrativas por quem exerce o mandato, considerada sua vida pregressa.
“De abuso, portanto, não se há de cogitar porque o que se teve foi o exercício regular do dever de legislar que a Constituição conferiu ao Congresso Nacional. E se não houve abuso do poder de legislar, como me parece, com todas as vênias dos que pensam em contrário, também acho que não houve abuso do dever judicial de interpretar a lei porque, na aplicação das leis, o juiz deve atender aos fins sociais a que elas se dirigem e às exigências do bem comum”, finalizou a ministra.
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