Vejam a aplicação do princípio da passagem inocente no Direito Penal.
A Constituição Federal elenca no artigo 1°
os fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre os quais nos
importa a soberania: r
Art. 1º A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: r
I - a soberania; r
Para
Heleno Cláudio Fragoso, o território é o espaço onde o país exerce sua
soberania (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte
geral. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 133). r
O
território brasileiro compreende o território geográfico, delimitado
pelas fronteiras com outros países, além das ilhas, o mar territorial e o
espaço aéreo. r
A Lei n° 8.617, de 4 de janeiro
de 1993, dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona
econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras
providências. r
O artigo 1° dessa lei define o que vem a ser o mar territorial brasileiro, litteris: r
Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura,
medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e
insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala,
reconhecidas oficialmente no Brasil. Parágrafo único. Nos locais em que a
costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma
franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será
adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados,
para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão
do mar territorial. (grifo nosso) r
O Brasil
adota como regra o princípio da territorialidade, segundo o qual a lei
brasileira será aplicada ao crime ocorrido no país, independentemente da
nacionalidade do autor e da vítima (artigo 5º, CP): r
Territorialidade r
Art.
5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e
regras de direito internacional, ao crime cometido no território
nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
§
1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território
nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a
serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as
aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente
ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
§
2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo
de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada,
achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço
aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do
Brasil.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) r
O
Direito Internacional Marítimo prevê uma exceção à aplicação do
princípio da territorialidade no Direito Penal, qual seja o princípio da
passagem inocente. r
Na III Conferência das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar, foi elaborada a Convenção das
Nações Unidas sobre Direito do Mar, de Montego Bay, 1982, formado a
partir de noções costumeiras posteriormente codificadas. r
O
Brasil firmou a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, em 10
de dezembro de 1982, junto com outros 118 países, e em 22 de dezembro
de 1998, veio a ratificá-la. A Convenção entrou em vigor,
internacionalmente, no dia 16 de novembro de 1994. r
Resumidamente,
o princípio da passagem inocente é instituto jurídico próprio do
Direito Internacional Marítimo e permite a uma embarcação de propriedade
privada, de qualquer nacionalidade, o direito de atravessar o
território de uma nação, com a condição de não ameaçar ou perturbar a
paz, a boa ordem e a segurança do Estado costeiro (artigo 19, da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar). r
Esse
instituto aplicado ao Direito Penal, permite que crimes cometidos
dentro de navio estrangeiro, de passagem pelo país, não sejam julgados
pela lei do país em trânsito, desde que não afetem um bem jurídico
nacional. Ex.: árabe assassina um americano em uma embarcação de
bandeira italiana. r
"(...) Trata-se, portanto,
de um direito que cria uma situação intermediária entre a liberdade de
navegação, princípio válido em alto mar, e a jurisdição territorial
plena. A título exemplificativo, pode-se arrolar algumas atividades não
contidas no conceito de passagem inocente: pesca, exercícios militares e
atos de propaganda atentatório à segurança do Estado costeiro.
Submarinos devem navegar à superfície com bandeira arvorada (art. 20). A
passagem independe de autorização prévia. Isto vale mesmo para navios
militares, embora alguns países não partilhem dessa interpretação e
exijam autorização ou notificação nesses casos. (FIORATI, Jete Jane. A
disciplina jurídica dos espaços marítimos na Convenção das Nações Unidas
sobre Direito do Mar de 1982 e na Jurisprudência Internacional. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999. p. 80-81) r
O
tráfego marítimo será regido pelas leis do Estado costeiro, que mantém a
prerrogativa de legislar sobre proteção de cabos e dutos, conservação
de recursos vivos do mar, prevenção da poluição, investigação
científica, entre outros temas incluídos no art. 21. (Essas competências
são exercidas, em geral, no Brasil, pela Autoridade Marítima,
constituída na Diretoria de Portos e Costas, vinculada ao Comando da
Marinha e ao Ministério da Defesa, e pela Agência Nacional do Transporte
Aquaviário, em conformidade com as Leis n. 9.537, de 11 de dezembro de
1997, e n. 10.233, de 5 de junho de 2001, respectivamente. Cumpre
registrar que a competência para julgar "os acidentes e fatos da
navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões relacionadas com
tal atividade" foi atribuída no Brasil ao "Tribunal Marítimo, com
jurisdição em todo o território nacional, órgão autônomo, auxiliar do
Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao
provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e
material destinados ao seu funcionamento". Art. 1º da Lei nº 5.056, de
29/06/66) A permissão de passagem não dá direito à cobrança de taxas aos
navios estrangeiros (art. 26). r
O direito
de passagem inocente não foi uma invenção das Conferências da ONU. De
origem consuetudinária, foi reconhecido pela jurisprudência da Corte
Internacional de Justiça no caso do Canal de Corfu. No incidente, a
Albânia havia depositado ou permitido a colocação de minas marinhas no
Canal de Corfu, atitude motivada pela passagem de navios militares
ingleses pelo Canal. Tais minas atingiram cruzadores britânicos,
levando-os a pique, com mortes da tripulação. Na decisão, a Corte
reconhece o direito de passagem inocente de navios de guerra por
estreitos que ligam duas porções de Alto-Mar, mesmo sem autorização
prévia do Estado ribeirinho, não obstante reconhecer que a Albânia tinha
o direito de impor certas regras para o exercício do direito de
passagem, ante a situação excepcional de suas relações com a Grécia
naquela época. (COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Affaire du Détroit de
Corfou (fond). Arrêt du 9 avril 1949. p. 26-32.) r
A
Convenção recepcionou a passagem por tais estreitos através de um
regime especial, denominado de passagem em trânsito (artigo 37 a 44).
Aplica-se o regime da passagem inocente se o estreito situar-se entre
uma porção de Alto-Mar ou Zona Econômica Exclusiva e o mar territorial
de um Estado estrangeiro (artigo 45) ou se ele estiver entre uma ilha do
Estado ribeirinho e seu território continental e for possível navegar
por outra rota marítima do outro lado da ilha (artigo 38.1). O regime da
passagem em trânsito foi criado durante os trabalhos preparatórios da
IIIª Conferência. As diferenças entre os dois regimes são apontadas por
Fiorati: "a passagem de trânsito aplica-se a navios e aeronaves,
enquanto que a passagem inocente somente a navios; durante a passagem em
trânsito o navio ou a aeronave não poderão ancorar, fundear ou
aterrissar, a não ser em casos de grave perigo, enquanto que na passagem
inocente isto é permitido; na passagem em trânsito o Estado costeiro
não poderá abordar e parar o navio, enquanto na passagem inocente isto é
possível em casos em que o navio esteja contrariando as leis internas
do Estado; a passagem inocente poderá ser suspensa conforme motivos de
segurança do Estado costeiro, a passagem em trânsito não." Ob. cit., p.
184). Na prática, o direito de passagem inocente sofre limitações não
previstas expressamente pela Convenção. Além da autorização exigida para
a passagem de navios militares, as restrições à passagem inocente
atingem também a passagem de navios causadores de poluição ambiental e
portadores de material ultranocivo e material nuclear. O fundamento
dessas restrições encontra-se em regras de proteção do meio ambiente.
(AGYEBENG, William K. Theory in Search of Practice: The Right of
Innocent Passage in the Territorial Sea. Cornell International Law
Journal, v. 39, p. 371-400, 2006)" (LUPI, André Lipp Pinto Basto. O direito internacional e as zonas costeiras. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1453, 24 jun. 2007. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9959>. Acesso em 11/03/2008). r
Existem
doutrinadores que entendem que esse princípio está constitucionalmente
previsto no artigo 5°, inciso XV. No entanto, devemos discordar, vez que
o livre deslocamento em território nacional diz respeito a brasileiros
ou estrangeiros residentes no país: r
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: r
XV
- é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
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